da Piracema dessa semana
Adriane Perin
Colocar a primeira música de um disco – seja de uma banda conhecida ou de uma completa estranha – e já se sentir uma fisgada no estômago é algo cada vez mais precioso. Sentir o prazer de ouvir outra vez e outra, e ir rapidamente identificando minha música preferida pra logo em seguida perceber que essa lista não é fácil, porque tem outra, e mais outra, é daqueles momentos reveladores. Me faz pensar no que já caminhei, dá uma vontade tão grande de continuar; traz uma segurança que se opõe diretamente a esse trator que a vida no meu tempo se transformou, cheia de pressões que imobilizam e causam cansaço existencial. Quando isso acontece é porque tenho em mãos um disco que me faz chorar e rir porque fala de mim mesma falando de outro. Toca nos meus machucados, lambendo a ferida aberta de outro alguém. Traz as minhas minhas lembranças – e isso é tão absurdo porque eu sei que não são as minhas lembranças que estão sendo cantadas ali. Mas são – fazer o que? Mesmo que quem escreveu não tenha a menor ideia de quem eu sou. É essa a magia. Só que não é tão fácil encontrar isso no meio de tantas inversões de valores. Porém sou otimista, e só tenho que ser, afinal sou eu que faço a trilha sonora da minha vida – não deixo que uma rádio ou televisão quaisquer façam isso. Há muitos anos, quando eu engatinhava no jornalismo conheci uma banda de Campinas. Quisemos – eu e Ivan – trazê-la pra o Rock de Inverno 3, o primeiro que tivemos verba pra tal, mas cheguei tarde. Quando a conheci eram os anos 90 e o tal do “guitar” imperava soberano, com as bandas independentes brasileiras cantando maciçamente em inglês. Então ouvi Astromato. E, resumindo, ainda hoje mais de 10 anos depois, aquelas canções continuam muito boas. Daí, eis que semana passada, acho, um disco começou a rodar lá em casa. Quem é? “Radiare”. Radiare? Me lembra Violins e Astromato. “É a nova banda do cara do Astromato”. Caraca ! Peraí… é Violins que lembra Astromato. Vamos organizar as coisas. E, por conseguinte, é Violins que lembra Radiare e não o inverso, apesar dessa banda ter nascido este ano e Violins – uma das predilétissimas da casa e que, não por acaso, deu seu pulo do gato quando passou para o português – já ter acabado e voltado várias vezes. Porque Radiare é uma “evolução” de Astromato. (Entre aspas, porque não é exatamente isso, mas sim um outro momento de alguém que escreve muito bem e faz musica muito bem). A conexão tá toda ali: nas guitarras, no baixo, no cantar, na bateria, tudo na primeira audição remete ao Astromato. Não é a mesma banda, mas afetivamente, sinto como se o Astromato recomeçasse de onde parou – e melhor. Falando das coisas que fazem parte dos dias de seu compositor hoje. Enfim, a vida passou pra ele e pra mim e por isso ouvir esse disco agora me toca de uma maneira ainda mais especial que o Astromato tocava. Radiare chegou em algum canto, daqueles que provocam umas sensações estranhas e revitalizadoras. Esse disco me dá uma enorme votande de sair vagando pela cidade com fone no ouvido, de rir e chorar. Me dá vontade de largar tudo e parar um pouco o mundo só pra eu poder ficar aqui, sentada nessa calçada, ou num banco de praça olhando as pessoas passarem apressadas – como eu, na maioria das vezes. É um disco tão visceral em sua tranquilidade. Sereno em seus “acertos de contas com a vida” e na tranquila busca por um futuro. Um disco que dá vontade de beijar meu amor e abraçar um amigo especial. Ou seja, viver direito essa vida e não só senti-la passando pela janela do ônibus ou escapando entre os dedos. Vontade de jogar conversa fora e, mais: dá uma vontade enorme de deixar ele rolando indefinidamente, começando outra vez cada vez que chega ao fim. De manhã, de tarde ou de noite. Não quero parar de ouvir. Dessa vez, os campineiros vão tocar em Curitiba. Eles nem sabem, mas vão. E estarei lá, cantando junto. Vá correndo ouvir (myspace.com/radiare). E depois compre o CD, porque uma banda como esta faz a diferença. Acredite nisso.
Em tempo: Estou saindo de férias. Na volta, entrevista com Radiare é certa. Nesse tempo, Ivam Cabral assume este espaço.