De Inverno Comunicação

Jornal do Estado/ Bem Paraná


Jards e Maria Alcina prestam sua reverência ao Kid Morangueira (foto: Divulgação)

Maria Alcina e Jards Macalé se encontram pela primeira vez no palco em Curitiba, em projeto que homenageia Moreira da Silva, no Teatro da Caixa

Adriane Perin

Nove e meia de uma sexta-feira não é lá um horário dos mais apropriados para marcar uma entrevista com um músico. A não ser que seja para falar com Jards Anet da Silva, o Jards Macalé. “Sou um trabalhador”, diz com sua voz grave. Ele tampouco vai atrasar o outro encontro que tem marcado em Curitiba, este ao vivo no Teatro da Caixa, hoje. Com ninguém menos que Maria Alcina, revivida e pronta – como sempre esteve. Eles vão prestar reverência a um conhecido de todos, Antônio Moreira da Silva, o Kid Morengueira, ou ainda Moreira da Silva, amigo de Macalé, que com Maria Alcina dividiu palco. O espetáculo itinerante “Homenagem ao Malandro” começa aqui e depois vai para São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Para Macalé, amicíssimo de Moreira da Silva, é uma “junção quase que obvia, porque comecei a tocar com ele no Projeto Seis e Meia no Rio. E a Maria Alcina também fez parceria com ele em algum momento”. “É a primeira vez que estaremos junto no palco e sob as bençãos de Moreira da Silva, que uniu a gente de certa forma. Estou fazendo uma preparação com o Sergio Arara, que vai me acompanhar no violão. Temos conversado e organizado tudo com o Macalé pois teremos alguns números juntos também”, completa ela. “É uma preparação difícil porque o material do Moreira é bem incomum, muito personificado. Para eu cantar, preciso observar detalhes, arranjos, porque ele foi muito único e em sua obra, a toda hora a gente encontra abertura”, pondera a cantora que conheceu o autor de “Ghodan City” na época dos festivais da canção, nos anos 60 e 70, nos quais ambos se lançaram.
Começo — Macalé lembrou o projeto de Albino Pinheiro e Hermínio Bello de Carvalho, que convidava duplas para fazer shows especiais em um horário pouco usado do Teatro São Caetano, no Rio de Janeiro, em meados dos anos 70. “A imagem que ele tinha de mim era do menino de Gothan City, um rapaz cabeludo e barbudo, mas ali eu já estava com outra aparência. A empatia foi muito rápida”, conta Macalé, dono de uma carreira discográfica espaçada, mas que sempre que lança algo é um disco de valor. O mais recente, Macao, “ foi mais Macalé canta Moreira, pois é todo com repertório dele”, diz, sobre o lançamento da Biscoito Fino. Macalé é do tipo que faz várias coisas ao mesmo tempo. Vai compondo, “não tenho aquela pressão, só expressão”, diz. Sempre identificado como contestador por sua personalidade pouco afeita à facilidades musicais, já foi tido como maldito, termo que parece banido do vocabulário da nova geração de jornalistas, mas que já foi muito usado para definir artistas de personalidade “dispensados pelo mercadão”. Ele tem ciência do posto que lhe cabe. “Éramos contestadores até por provocação. Mas agora, digo que faço a diferença justamente por fazer a diferença diante de todas as coisas; por gostar do risco. Minha música já sai, não digo estranha, mas de uma forma em que para que ela apareça tive de me arriscar. Sempre foi assim”, pondera. Também se arriscou no cinema, teatro. “Agora por exemplo estou rodando o Cine Macalé, filme com trechos de filmes que fiz como ator ou músico – ou que assinei trilha sonora. No projeto em dvd eu interajo cantando ao vivo. O dois está saindo com novas informações, inclusive com super – 8 que fiz. Sempre gostei disso”, conta.
Ele também foi tema do documentárioJards Macalé: Um Morcego na Porta Principal, que ganhou o prêmio do juri do Festival do Rio de Janeiro. Também está circulando um curta metragem que conta a história de sua prisão em Vitória do Espirito Santo no projeto Pixinguinha, quando cantava em parceria com Moreira da Silva, aliás.
“Conto essa historia no show, espera para ouvir lá”, pede este homem de muitas linguagens que também está, como homenageado, em mostra no Centro Cultural Helio Oiticica, no Rio. “Todas essas linguagens andam muito próximas para mim. Lá está a “Macaléia”, que ele fez para mim”, conta.

Muito mais do que só o confete e a serpentina
Maria Alcina conta que a música de Moreira da Silva sempre esteve “na cabeça desde menina”. “Era meio cinema, como se fosse uma criança brincando de cantar, de fazer cinema… O Sergio Arara com elementos eletrônicos traz a chance de reproduzir esses sons”, considera. “Eu e Moreira temos um humor, que ficou claro no projeto Pixinguinha nos anos 80. Com 38 anos de carreira tenho que olhar meus arquivos. Fazendo isso, percebi que quem uniu a gente lá, já sabia que dava ritmo. E Macalé… ele é meu ídolo…”. Ela lembra ainda de um trabalho que fez com Moreira na famosa casa de shows carioca O Beco. “Não fiz nada, só cantava e ria. Tudo dava certo, eu tava com 24 anos…”.
Mineira, vem de um pai que sempre gostou de música e estimulou, os homens, da família a cantarem.“Sou filha de operários; na minha casa não tinha rádio, mas eu buscava a música na casa do vizinho”. Mas, uma moça cantando era bonito só até um ponto. Ela fez dupla com um amigo do pai, mas quando a coisa ganhou ares mais sérios… “Não teve jeito, aquilo vai te margeando, o dom vai achando seus iguais. Fiz apresentações em teatro, igreja, festivais até vir para o Rio”. Veio para a gravação de uma trilha sonora, encontrou o Antonio Adolfo, que já a tinha ouvido cantar, e ficou.
A partir daí, a dona do vozeirão grave, que destoava das vozes nem sempre macias, mas sempre agudas das principais cantoras brasileiras a partir dos anos 60 (modo que hoje soa só enfadonho), ficou conhecida. “O artista precisa ter uma marca e o diferencial foi meu timbre, o que me deu oportunidade. É isso e é o contrário também. Porque agora preciso expandir minha voz. Quanta coisa que ainda tenho para fazer”.
Seu sucesso veio de uma música que pegava também pela irreverência, pelo deboche no jeito de cantar, se portar, de brincar fazendo música séria. Assim, ela conquistou pelo menos duas gerações. Mas, sabe como é a memória do brasileiro, ela saiu da midia. E eis que um representante daquela geração se encarregou de trazê-la de volta, pelo vies de sua própria memória afetiva. Foi a banda Bojo, em especial Maurício Bussab, sempre citado por Maria Alcina, quem a trouxe a tona outra vez.
Ela não é do tipo que fica remoendo sentimentos e avalia tudo com tranquilidade. “A midia muda, não é a gente que sai dela. Nessas mudanças a comunicação necessita de outras informações, outros aparatos. A gente é um produto e quando é hora de vender outro… eles te tiram da prateleira. Tive o infortúnio de ficar quase 20 anos sem gravar, mas sou uma sobrevivente muito forte de uma coisa obscura, que nem eu sei o que tenha sido, porque muitas veze cheguei a fazer repertório para discos que paravam”, conta. Diz que nem teve tempo de pensar nisso. Saia de uma situação desagradável e buscava algo melhor. “Olhando hoje, só estou aqui porque não parei lá atrás. Sobrevivi como pude, andei como deu, comi o que tinha e não saí da profissão”. Sem tempo para lamúrias, não lhe faltou trabalho . “Sem gravar você fica fora de muita coisa, mas tive que aprender a sobreviver no palco, porque nem todos que estouram tem essa experiência”, observa ela, que pegou cancha em apresentações no picadeiro.
Novidade — Maria Alcina traz na bagagem – e vai vender depois do show – um belo disco, Maria Alcina Confete e Serpentina. Foi uma sequência de coisas boas, com o empurrão da internet que abriga tudo que gravou. Até chegar a 2003 e o projeto de Alex Antunes – que lembra aquele lá que colocou Macalé e Moreira da Silva cara a cara no anos 70 -, Com:Tradição, que promoveu o encontro de artistas de ontem e de agora. Maria Alcina fez par com o Bojo – ou foi o Bojo que fez par com Maria Alcina? Não importa, o certo é que dali em diante voltamos a ouvir falar dela. “E aí o bicho pegou”. Do show veio um Cd e a parceria com Bussab andou. É dele a produção desse disco novo no qual Maria Alciona faz o que colocou como meta: “expandir-se”. Uma Maria Alcina diferente daquela que a minha geração cravou na lembrança se mostra desde o começo. É um disco para ouvir – e Maria Alcina, na nossa lembrança, ou na minha, de criança, era para ver também. “Nos outros trabalhos têm isso também, mas é que o meu lado da alegria era muito forte. E não tive a chance de mostrar os meus outros lados. O Maurício trouxe a Maria Alcina inteira. É confete e serpentina? É. Mas no carnaval também tem gente chorando no salão”.

Serviço
Homenagem ao Malandro. Dias 11e 12 às 21h e 13 ás 19h. R$20 e R$10 Teatro da CAIXA
(Rua Conselheiro Laurindo, 280). Informações: (41) 2118-5111

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