De Inverno Comunicação

De toda essa terrível história que aconteceu com o Mário Bortolotto, o comentário que mais me chamou a atenção foi um texto do blog “Dramaticoblog´s blog“, que eu achei através do blog do Ivam Cabral, do grupo Sátyros. No texto, a Márcia Abos conta que uma das coisas determinantes para a ocupação e revitalização da região da praça Roosevelt pelos grupos de teatro foi justamente a possibilidade dos bares locais manterem mesas na calçada, o que fez com que a criminalidade na região fosse reduzida durante um tempo. Ocorre que há três semanas as mesas tiveram que ser retiradas por conta de uma decisão idiota da prefeitura, resultante da reclamação de vizinhos. Na Gazeta de Hoje o Ivam Cabral conta que essa decisão foi motivada por um abaixo assinado com, pasmem, 29 assinaturas, de vizinhos que reclamavam de perturbação da ordem. O resultado foi que a região voltou a ser ocupada pela bandidagem, crackeiros e afins, os assaltos e a violência de sempre.
Isso sem falar que a própria praça em si está fechada há anos, a espera das obras de revitalização, que nunca chegam, porque os prefeitos que lá passaram ter que cortar verbas dessas obras pra poderem investir em propaganda.
Isso só comprova como as pessoas não percebem o preço que a mediocridade e a mesquinharia cobra. Ao invés da ocupação pelos artistas, prefere-se baixar proibições ridículas em nome “da ordem e do sossego”. O resultado é que ao invés de uma ocupação sadia, pela arte, tem-se o esvaziamento da região central de São Paulo e de outras cidades do País, que se tornam território para a violência e a criminalidade. Quem paga por isso são aqueles que insistem em resistir, se negam a fugir, e não aceitam se esconder, como o Mário, e as outras pessoas que como ele ainda acreditam que a arte pode ser a resposta para a falta de humanidade. Enquanto na Europa e outros países, o poder público e a sociedade caminha justamente na direção contrário, ocupando o centro de suas cidades com arte, música, vida enfim, aqui a classe média se esconde atrás de seus carros blindados e condomínios fechados para não se misturar com a “ralé”. Até quando a gente vai aceitar que os idiotas e medíocres continuem ditando as regras? não sei…

Reproduzo abaixo o texto, pra vocês conferirem.

Para salvar a Praça Roosevelt

Por Márcia Abos

Ao ouvir as palavras de ordem dos assaltantes que invadiram o Espaço Parlapatões na madrugada de sábado, mandando todos se deitarem no chão, Mario Bortolotto teria respondido: “Ninguém vai assaltar ninguém aqui”. Imagino a cena e me assombro com a coerência deste grande artista. O dramaturgo, diretor, ator, músico, escritor e poeta é de uma coerência rara. Jamais fez concessões em sua arte, tampouco na vida. A reação de Mario a um absurdo assalto em um teatro (alguém já ouviu falar de tiroteio em teatro?) diz muito sobre ele, que pagou um preço alto demais por ser fiel a si mesmo: foi alvejado por quatro tiros, alguns deles em órgãos vitais. Ninguém que o conhece duvida de sua recuperação. Ouve-se na praça amigos dizendo: “ele é um touro, um búfalo, vai sair dessa logo”. Vai sim, mas a tristeza e a dor que se abate sobre artistas e frequentadores da praça precisa de consolo.

Há dez anos teve início o processo de revitalização da Praça Roosevelt. Não, a praça não virou um local habitável e cheio de gente por decreto. Começou com Os Satyros que decidiram abrir um teatro no local. Mas ninguém ia até a praça, espaço na época dominado pela criminalidade. Era um lugar sinistro, que metia medo até nos artistas que iniciaram o processo. Mas eles logo entenderam que a praça poderia se transformar com uma injeção de vida. Colocaram uma mesinha com cadeiras na calçada, um convite para um bate-papo. Por muito tempo essa mesinha ficou vazia. Mas era um gesto simbólico, eles sabiam que não podiam recuar. E acertaram. O tempo provou que a praça pode ser ocupada pela paz, por muita alegria e uma ebulição artística sem igual. Demorou, mas a praça tornou-se um local digno deste nome, onde gente de todo tipo se reúne para ir ao teatro, trocar idéias, criar. A Praça Roosevelt é o que temos de similar a Ágora grega, um espaço livre e público.

Mas a tragédia que se abateu sobre a nossa praça na madrugada deste fatídico dia 5 de dezembro de 2009 é também sintoma de um retrocesso na revitalização que começou com uma mesinha na calçada. Há três semanas não existe mais nenhuma mesinha na calçada. É proibido. E a vida parece estar se esvaindo. Muita gente continua a ir aos teatros, mas terminada a peça eles se vão. Acabou o alegre burburinho antes e depois dos espetáculos, acabou a alegria de quem pode ver em uma noite duas peças diferentes e aproveitar os intervalos para filosofar.

Triste constatar, mas este é o caminho para transformar os teatros da praça em algo parecido com o que foi o vizinho Cultura Artística ou como é a elegante Sala Julio Prestes. São lugares de passagem, uma espécie de oásis das elites no meio de um entorno totalmente degradado. Quem vai à Sala Julio Prestes chega em seu carro blindado e com vidros negros, desce na porta escoltado por seguranças, evita olhar para os lados e ver os ‘nóias’ e entra para ouvir as mais lindas e bem executadas sinfonias. Acabado o espetáculo, a saída é ainda mais rápida que a chegada. O jantar, o cálice de vinho, a cerveja são consumidos bem longe dali, no Itaim, nos Jardins, na Vila Olímpia (ou qualquer outro bairro onde é impossível lembrar que existem moradores de ruas, drogados e mendigos em São Paulo).

Ninguém que conhece a Praça Roosevelt acredita que a arte que se cria ali pode sobreviver sem o oxigênio de um entorno vivo, que se alimenta e é alimentado pelo teatro. Portanto, convoco a todos a estarem na praça. Nossa presença é a única coisa que impede a sua degradação. Certo, é proibido mesinha na calçada. Juntos talvez seja mais fácil derrubar o decreto que as proíbe, este sim capaz de destruir nossa ágora. Se a revitalização da praça não aconteceu por decreto, sua degradação pode ser consequência de um decreto exdrúxulo que proíbe singelas mesinhas na calçada. E enquanto não pudermos ter mesinhas na calçada, estaremos lá, nos teatros, em pé, sentados no chão, andando de um lado para o outro…

Respostas de 8

  1. o que mais me assusta é a facilidade com que as pessoas se arvoram como as donas da verdade, capazes de dizer o que é certo e o que é errado, o que é bom ou é ruim pra alguém, se sentindo justíssimas quando batem no peito e festejam leis burras que só fazem ajudar a empurrar a sociedade pro buraco, sem se dar conta os precedentes que isso abre. Taí, o resultado de proibição ridículas como esta da mesa na calçada (ela também existe em curitiba,até onde sei, cidade onde um abaixo assinado igualmente ridículo impediu o uso de um lugar como a Pedreira Paulo Leminski, sob o mesmo "argumento"(?????) e com aval de um juiz que considerou em seu parecer a música um mal para a juventude, algo desse tipo… constrangedor sim, mas mais do que isso, pra mim, assustador… indicador de tempos negros se as pessoas que respeitam o diferentes se encolherem.

  2. Ainda hoje vi que, da verba que a prefeitura tinha para fazer obras anti-enchentes, menos de 30% foi utilizada. Para onde foi o resto da grana? Não sei. Para onde tá indo todo mundo, com tanta chuva? Pra lugar nenhum, ficando parado.

    No bairro onde eu trabalho também rolou um desses abaixo -assinados e o lance é que não rola happy hour, não rola música, não rola nada. Como as ruas ficam vazias, quem sai tarde do trampo é garfado pelos meliantes ou coisa pior, como aconteceu com uma amiga minha, que foi estuprada.

    Acho estranho esse papo de "perturbar o sossego". Música perturba o sossego? Covnersas?

    Engraçado, eu perco o sossego com quebra-pau, bandidagem e tiros.

    Prefeitura de São Paulo e seus votantes dos bairros nobres: sempre dando um jeito de foder com você.

  3. meu querido leo, infelizmente isso não é exclusividade da são paulo e sua elite votante, curitiba com toda sua bela imagem (fama) pros que estão mais longe se acha também e, aliás, tem a mania de copiar São Paulo. é isso aí, o que4 me incomoda é ver essa piazada com a cara de crack, de alcool, estampada e depois serem apontados e cobrados ainda. Na boa, essa sociedade não tá com moral, esse é o problema. As pessoas se fecham cada vez mais e não deixam alternativas nem pra elas mesmas nem pra essa massa de pessoas que vive no que a gente chama de periferia. são mundos de valores completamente diferentes e percebo isso tão claramente quando vou pros bairros daqui por conta da capoeira….

    a única saída é fazer um caminho contrário; respeito, educação e, claro, arte e cultura. acho que só assim poderemos vislumbrar algum futuro com um pouco que seja a mais de equilíbrio.

  4. O Poder público virou Phoder o público! É um descaso, deixei de ir á praça tem um tempo! Medo, isso mesmo, medo de andar na região! Vou ainda à sala SP uma vez por mês, mas ao sair de lá é stress total e autoridade nenhuma faz nada!! E duvido que pretendam fazer- Precisa existir bandido pra existir a policia e assim vai! Triste, muito triste!

  5. Sempre pesos e medidas distintas pras coisas. Estádios de futebol são uma perturbação gigantesca. Por que um juíz desses não acaba com essa bagunça? O jogo do meu time provou que a pancadaria é a dona da verdade. Há mais mortes no esporte do que no rock, tenho certeza disso. Aí, quando tentam protestar, jogam os cavalos em cima (tipo em brasilia). Enfim, o que está faltando? Não sei mais pra onde ir. Não sei mais por onde lutar. A gente acaba ficando em casa mesmo, porque a batalha nunca vencida cansa. Deixamos as armas brancas pros mais jovens, mais cabaços, que vão errar como erramos e serão nossas sombras futuras. É povo, tem que levar bala pro povo entender o que está acontecendo, mas em dois meses tudo volta ao normal. Sinceramente, desacredito em tudo e todos. abs

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