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HQ exigiu muita pesquisa
Chibata!, sobre uma revolta que mudou a Marinha brasileira, foi uma das principais histórias em quadrinhos lançadas em 2008
Adriane Perin
Por sugestão da editora Conrad nasceu um trabalho muito legal sobre um episódio da História do Brasil, já listado entre as melhores histórias em quadrinhos (HQ) de 2008. Chibata! João Cândido e a Revolta que Abalou o Brasil é assinada por Hemetério & Olinto Gadelha.
Olinto, responsável pelo texto, conta que tudo começou quando enviou à editora um livro de Hemetério, Garatujas, sondando o interesse em lançá-lo nacionalmente. O trabalho fez bonito e eles receberam convite para novo livro. As trocas de idéias sobre temas deram em João Cândido e a Revolta da Chibata, episódio pouco conhecido. “Muitos reconhecem o termo, mas poucos sabem o que aconteceu. A visão escolar é muito resumida e simplifica a importância dos eventos de 1910. Foi uma insurreição contra uma forte instituição nacional, a marinha, e ressaltou o que havia de pior nas relações sociais e raciais da nossa sociedade”, explica Olinto e segue. “O tema sempre foi tratado com reserva e muitos que ousaram se pronunciar foram perseguidos e censurados. Isso capturou minha curiosidade. Se você dá voz aos esquecidos, eles sempre contam as melhores histórias”, completa.
Amigos de duas décadas, a dupla tem uma empresa que elabora HQs, cartazes e folders, o que facilitou a empreitada em duo. Mistura de fatos históricos, com pinceladas ficcionais, a HQ exigiu muita pesquisa. “A Biblioteca Pública de Fortaleza foi muito útil, mas também diversos sites serviram de referência visual; livros e artigos viraram companheiros inseparáveis por meses, e uma viagem ao Rio de Janeiro ajudou a selar a geografia de algumas cenas e lugares”, conta Olinto. Hemetério completa que a internet proporcionou que até “navios, uniformes e moedas da época” fossem incluídas na trama”.
Houve muito cuidado na ambientação de época. “Sou arquiteto, então as cenas de rua e mobiliário urbano foram particularmente interessantes pra mim. Quando fui ao Rio procurar o túmulo do João, tive a infeliz surpresa de saber que ele foi enterrado na ala dos indigentes do cemitério do Caju e nada resta. Foi-se o homem, ficam seus ideais”, conta Hemetério. “Mas a cena mais surreal, a despedida de João de seu navio, é real. Depois de 40 anos, o Minas Gerais foi aposentado e vendido como sucata. Estava ancorado no porto à espera do rebocador quando amigos levaram o velho Almirante para se despedir de sua nave. Só mudamos pequenos detalhes no livro, prova que às vezes, se me desculpam o chavão, a realidade prega mais peças que a ficção”, avalia.
Currículo — O traço de Hemetério traz eclética influência. “Vou desde o mestre do chiaroescuro Edward Gorey, passando por Antônio Bandeira e Frank Miller. Sou fascinado pelo pontilhismo em preto e branco, além dos desenhos em alto contraste e silhuetas. E tem muita experimentação, usei até as cerdas de uma escova de dentes velha para fazer efeitos”, comenta ele, que pela primeira vez traballou com temática histórica. “Me obriga a ser mais fiel com rostos e locações. Na ficção, esse compromisso não é totalmente rompido, mas a liberdade é maior”, comenta.
Para Olinto, que é professor e trabalha no mercado da publicidade, foi a estréia em quadrinho autoral. “Ótima estréia. Pude mesclar fatos históricos e ficção, tanto para adicionar tempero, como para completar severas lacunas. Não há registro documental de certos períodos da sua vida, apenas alguns fatos, datas.Um personagem assim épico não surge repentinamente como herói. É preciso entendê-lo, dar sentido a sua vida e sua luta, saber de onde vêm suas motivações e como surgiu seu instinto para a liderança?”, avalia.