De Inverno Comunicação

O músico Carlos Careqa: “No meio artístico tem muito ego inflado e pouco resultado” (foto: Divulgação/Edson Kumasaka)

Jornal do Estado/ Bem Paraná

Carlos Careqa bate um papo sobre música e critica sem piedade a “onda de resgate” cultural que assola todo o Brasil

Adriane Perin

Toques de Berimbau, um ritmo de forró e letras ácidas: “Brasileiro tá com medo de perder a identidade, tá fazendo curso de bumba meu boi no Sesc da cidade, tá jogando capoeira na universidade. Tá inscrito num curso de clown”. Ou: “Tem tanto artista falido/ tocando só pra família/ os amigos já não aguentam mais os discos que não tem saída/ Tanta menina namora com um guitarrista e já um microfone quer comprar/o campo precisa de gente, não tem mais agricultor”. Os trechos das faixas, “Brasileiro” e “Por que” mostram a discordância do músico Carlos Careqa – que está lançando seu novo trabalho, Tudo que Respira quer Comer, por seu próprio selo – em relação à moda do resgate do folclore e de todo mundo ser artista. Nascido catarinense, mas conquistado pelos curitibanos bem cedo, Careqa não se intimida em explicar melhor o que quer dizer, leia-se criticar, mesmo tendo que citar amigos. Vai conversando, com coerência e arraigado às defesas do que acredita. Por exemplo, faz questão de não usar leis de incentivo na produção de seus discos e deixa isso claro na contracapa.

Jornal do Estado — Você está tirando um sarro desse papo de “resgate da cultura popular” que virou moda, né? Não acreditas na boas intenções?
Carlos Careqa
— A ideia é o seguinte: as pessoas no Brasil vão pela moda e não se perguntam qual é o significado disso. De tempos pra cá noto que as pessoas começam com música, acham que descobriram as coisas brasileiras e, por conta disso, o resgate da cultura popular virou exagero. Em cada esquina tem Bumba- Meu-Boi. Até Curitiba que nunca teve essa tradição acabou aderindo a este tipo de coisa meio chata e, muitas vezes, sem conteúdo. Não que eu seja contra movimentos folclóricos. Sou super a favor, mas tem que ter parcimônia entre gostar e querer transformar isso em arte. Muitas vezes o folclore tem que ser preservado mas não que subir ao palco; assim como índio não tem que fazer show. Nem é que disvirtua a essência. Talvez. Mas, o pior é querer transformar em algo que não é. Indio não precisa estar no palco para mostrar seu valor. É um crime quando se pega uma tribo indígena e a leva para tocar no Sesc. Se cria uma necessidade que eles não têm e, aí sim, temos um problema. Coloca esse pessoal no show business e eles vão querer voltar. O mesmo com folclore, pega o sinhozinho que toca rabeca no interior do Pernambuco e traz para São Paulo. Pode ser interessante da primeira vez, mas depois vai criar algo desnecessário. Seria legal manter os movimentos folclóricos na sua.
JE — Isso não tem a ver com essa filosofia “Petista” de que tudo hoje em dia tem que ter um fim social, como se a arte já não fosse, por si só, inclusora?
Careqa
— Uma coisa é resgatar o social, trabalhar para que o povo seja melhor remunerado. Outra, é levantar bandeiras sem limites. E música é negócio que tem uma tradição, exige um estudo, tem que ter um tipo de conteúdo. Folclore é folclore.
JE — Às vezes tem-se a sensação de que linguagens urbanas e mais contemporâneas não tem o mesmo valor dentro deste contexto
Careqa
— Como se algumas coisas não fossem tão autênticas e acabam estigmatizadas… Não sou contra o folclore, a pesquisa e transformar em música. Mas, colocar isso no palco nu e cru e comprar vestido de algodão e sair fazendo ciranda, não é arte; não é música: é folclore, é lazer, não tem o valor artístico.
JE — Não tem medo de falar isso? Sabe que pode comprar brigas.
Careqa
— Não tenho medo de dizer o que penso. O pessoal do Mundaréu, por exemplo, eles são meus amigos e fazem um trabalho por aí. O lado musical é bacana, mas quando fica só no folclore é chato. Não sou contra quem faz folclore no palco, mas não é necessário, acho que é mais um exercício de vaidade e ego do que artístico.
JE — Outro problema é que a palavra “resgate” ficou tão batida…
Careqa
— Mesma coisa que achar que o samba vai salvar a humanidade… A música é sem fronteiras, nasceu pra ser livre e sem amarras. Por isso minha crítica. Não precisa fazer curso de clown. “O campo precisa de gente não tem mais agricultor.” É absurda essa forçação de barra, todo mundo quer ser artista. Juro pra você, volta a meia penso que deveria ter feito medicina, ter ido para um lugar com menos vaidades. No meio artístico tem muito ego inflado e pouco resultado. Querer salvar tribos indígenas quando tem tanta gente do seu lado que precisa de ajuda? Existe um exagero em certos setores sociais.
JE — São 25 anos de música. Nesse tempo suas intenções mudaram?
Careqa
— Quando comecei minha preocupação era sempre fazer com que o ouvinte pensasse no que estava ouvindo, porque vinha de uma uma escola toda baseada em grandes da mpb e não podia admitir que se faça uma música por fazer. Tem o lado do entretenimento, mas como faço música popular, pra mim, é importante que haja uma ação. A pessoa escuta e pode gostar ou não. Mas, reage. Neste disco tem duas músicas da época, de 84, “Cida” – um funk, algo até mais pra comédia e um jogo de palavras – e “Fantasias”, que tinham essa preocupação. Caminhei por aí sempre, algumas vezes com um ar mais ácido. Acho que tô no mesmo caminho. Sou alternativo ou underground. O Mercado não me absorveu e porque eu já não sei. Mas hoje em dia to muito mais tranquilo em relação a isso, porque meus ouvintes continuam comparecendo nos shows.
JE — E como se manter, sem usar leis de incentivo, sendo alternativo, vivendo de música? E com lançamentos, pelo seu próprio selo, Bed, cujos acabamentos visuais também chamam muito a atenção e devem ser caros?
Careqa
—Um disco vai pagando outro e os shows. Na verdade, disco não dá lucro. Dos shows vou sempre guardando uma graninha e às vezes ataco de produtor. A publicidade até caiu bastante. Sobre Leis de Incentivo não sou contra, mas do jeito que ela é usada sou totalmente contra. Virou um cabidão de emprego, muita gente usa totalmente errado e se faz discos sem estímulo para vender porque não se gastou nada. Como invisto e sei de onde veio o dinheiro, aposto em uma boa divulgação, mesmo que alternativa. Faço e procuro vender os shows e vendo meus discos, não tenho vergonha nenhuma de dizer que vendo ao final do show, na beira do palco, a R$10. E funciona muito bem, porque as pessoas querem ver isso. O público não é idiota e sabe o que vai comprar. A Lei favorece parasitas culturais, que não fazem nada sem lei de incentivo. É uma pena porque vejo grandes artistras encostados na lei, como se fosse uma droga que vicia. Por isso meu grito de discordia.
JE — O que mais faz a diferença em estar em São Paulo?
Careqa
— Poder abrir as fronteiras de onde mostrar meu trabalho, porque quando morava em Curitiba era muito dificil fazer shows fora. Sampa me acolheu de farois abertos e tive oportunidade de fazer shows maravilhosos e, daqui, pude tocar no Brasil todo. Mesmo tendo essa carreira super alternativa que tenho – até para Buenos Aires fui. Não sei se ficasse em Curitiba teria esse mesmo respeito. Mas Curitiba mudou bastante e hoje tem outras possibilidades. Sou de Santa Catarina, mas minha alma é curitibana. Esse jeito de pensar, esse jeito crítico sobre o qual conversamos no começo, herdei dos curitibanos com os quais convivi e convivo até hoje. Pessoas como Thadeu Wojciechowski, Adriano Sátiro, Roberto Prado, o pessoal do Maxixe Machine. É a minha cidade e a adoro.
JE — Em realação ao disco anterior o mudou pra você?
Careqa
— Este disco é como se fosse o quarto da carreira, porque dei uma pausa para fazer um resgate de trabalho que tinha engavetado e não queria deixar passar. Mas, o Pelo Público faz parte da minha vida. E o do Tom Waits é um tributo a um cara que admiro muito e queria fazer. Como tava meio sem nada, e a mpb muito lotada de coisas e compositores, quis dar uma passeada pelo rock and roll para recarregar as pilhas dessa verve de compositor. Esse meu disco como se fosse a sequencia da carreira de cancionista. Muita gente não gosta dessas minhas mudanças, os que gostam mais da canção e da mpb torcem o nariz. Mas como sou livre e a música também, se quiser fazer música erudita, vou fazer, mesmo que seja algo que o público não goste – desde que eu ache que tem conteúdo. Não sou preso. Estamos vivendo em um tempo que não dá pra fechar as portas e linguagens. Tem gente que é muito preconceituosa.

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