De Inverno Comunicação

A onda é tocar: o maestro oculto

Quando conheci Waltel Branco, como repórter, não tinha ideia ainda da importância e da caminhada do maestro parnanguara e confesso que, ao ouvi-lo falar, duvidei de algumas passagens. Era muita informação! Simpático, ele contava histórias da vida dele sem parar. Aos poucos, entre conversas mil, as informações foram surgindo e se delineando uma biografia que parecia mesmo incrível. Como é que a gente não sabia de tudo isso?! O livro que tomou quase uma década da vida do jornalista Felippe Anibal para nascer joga luzes em todas essas histórias, reafirma a maioria esmagadora com dados e minúcias na pesquisa, desmistifica outras mas, acima de tudo, faz jus ao um artista paranaense que é um dos maiores brasileiros. Nas mais de 500 páginas, Anibal descortina a impressionante caminhada do maestro, confirmando a importância do músico para a música brasileira, enquanto passeia também pela história da música paranaense – que começa a ter biografias que preencham as lacunas históricas com informações checadas.

O que eu mais gosto das biografias é que, as boas, envolvem a gente em décadas de histórias e invariavelmente assentam, passo a passo, as pedras que edificam as memórias que embasam culturas. A biografia do Waltel é um passeio incrível pela história da música brasileira, a partir dos anos 40, quando o menino venceu a resistência do pai para aprender a tocar violão, instrumento então relacionado com a boemia e com a vagabundagem. Foi no Exército que o maestro começou, mas foi na noite curitibana da profícua década de 50, sob os efeitos econômicos da agricultura cafeeira, que o jovem músico começou a fincar suas raízes musicais que, a partir dali, só se alastraram. Beem antes disso, aos oito anos ele pediu um violão – recusado pelo pai, pessoa culta musicalmente que não o queria na vagabundagem. Não se deu por vencido e construiu seu próprio instrumento com um pedaço de ripa e um latão de azeite. O acordo feito, então, com o pai, não tocar em boteco, logo iria por terra também e o jovem Waltel seria um desbravador da noite curitibana da década de 50, nas boates frequentadas pela grã-finagem da capital paranaense, então nadando a braçadas em meio aos lucros cafeeiros, o “ouro verde” (fase já brilhantemente contada no livro “Curitiba no tempo do Jazz Band”, de Adherbal Fortes de Sá Junior)

Ao longo da vida de Waltel desfilam nomes que se tornaram importantes na música brasileira e mundial. Desde o colega de escola, depois conhecido como Pe. Penalva (aliás, foi no seminário que ele se deu conta que por um erro no registro seu nome “correto” era Waltel e não Walter), passando por Gebran Sabbag, ao lado de quem debutou na La Vie em Rose, uma das boates que fizeram história e a carreira de músicos curitibanos e chegando a verdadeiras lendas, como João Gilberto, Vinicius de Moraes. A lista é grande e, invariavelmente, todos ficavam encantados com o jeito de ser e de tocar do jovem que conquistava todos por seu talento. Na boate La Vie em Rose, em Curitiba, Waltel começou a ficar conhecido. E dali em diante, não parou mais. Segui no seu ritmo, do seu jeito modesto e quieto de ser.

O livro de Anibal faz um belíssimo passeio pela história cultural da capital e é daqueles que automaticamente se inserem na bibliografia obrigatória do Estado – e do Brasil. Para mim, a parte inicial, em que a pesquisa se debruça a desvendar e registrar as minucias dos acontecimentos que impactaram a música em Curitiba e no Paraná é a que mais empolga. Talvez por ser a menos conhecida, e tão próxima, foi a que mais me prendeu nas páginas dos livros. Conforme a caminhada de Waltel vai avançando para outras paragens, extrapolando o território nacional, inclusive, fica evidente que ele fez parte de tudo que aconteceu de mais importante na música brasileira a partir dos anos 50 -, da bossa nova, das grandes emissoras de rádio, do beco das garrafas, as gravadoras, dos festivais, do nascimento da televisão e da telenovela brasileira. Uma história permeada por encontros inacreditáveis, com astros mundiais, inclusive, que geram um volume de informação atordoante – e muito legal de se ter. Dá pra ler várias vezes, procurar a trilha, conhecer discos que nem lembrava que existia – se é que eu sabia. Às vezes cansei. Parei um pouco para rir sozinha ao imaginar alguns momentos narrados.

A pujança da economia paranaense traduzida em arte e cultura está, por exemplo, na história da abertura da Avenida Victor Ferreira do Amaral, no então distante Bairro Cajuru, para receber o evento que seria um divisor de águas, a exposição internacional do Café, que duraria quatro meses, e contaria com um quinteto de feras, formado por Waltel, para ser a atração principal da badalada exposição.

O livro conta sobre as boates e clubes privés que foram palcos importantes para o jazz curitibanos e seus músicos, como a Manhattan, em que Waltel e o pianista Gebran Sabbag faziam o som instrumental e “ambiente e de arrepiar!”. Conta sobre a ida para o Rio de Janeiro, onde o talento do maestro parnanguara foi instantaneamente notado e valorizado simplesmente por alguns daqueles que revolucionaram a música brasileira, tornando-a mundial. Waltel conviveu com todos os grandes nomes da música e do jornalismo carioca da época. A lista dos nomes históricos que desfilam nas páginas desta biografia é simplesmente dos top-top-top. Só lendo pra perceber a magnitude, a importância deste grande músico brasileiro, nascido ali e que circulava pela cidade sem que tivéssemos ideia, a maioria de nós.

Waltel fez parte da bossa nova, do sambalanço, da música psicodélica, dos festivais, das teledramaturgia, das emissoras de rádio, da criação da Rede Globo. Monsieur Blanc, como era chamado por Vinicius de Moraes esteve em todas. A ponto de que um desavisado, mais jovem, se atrevesse a suspeitar das histórias impressionantes que contava. Agora isso é passado. Com a preciosa biografia de Anibal a história está registrada em livro, um livro que pode ser lido várias vezes; um livro que já nasceu fonte bibliográfica relevante, que tira o maestro do lado oculto e o coloca em seu devido lugar, entre os maiores da música brasileira.

Waltel Branco, o maestro oculto, é mostrado de uma maneira cuidadosa pelo olhar de um atento jornalista que não mediu esforços para desvendar estórias e cravar as Histórias deste parnanguara na música brasileira e mundial. Mitos desfeitos, histórias investigadas e outras desvendadas fazem do livro um dos importantes lançamentos deste ano. Especialmente para quem gosta de música e história, ou seja, de biografias. É prazeroso e surpreendente, simples, direto e informativo. Um belíssimo trabalho à altura da obra de Waltel.

 

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