Em entrevista, sobre o show que O Rappa fará em Curitiba nesta sexta-feira, o guitarrista Xandão não poupou elogios a cena musical da cidade e “intimou” órgãos públicos a darem mais apoios
Adriane Perin
Com um ano do disco 7 Vezes na praça, turnês pelo EUA e Europa, onde não circulava há alguns anos, O Rappa finalmente apresenta o show do mais recente trabalho em Curitiba, hoje. As relações do grupo com Curitiba estão mais próximas, digamos assim, por conta do vínculo estabelecido pelo guitarrista Xandão, que mora na cidade já faz um bom tempo. Mas, é a primeira vez que ele fala tanto da cultura local. Foi sobre Curitiba, o Paraná e a cena musical a maior parte da conversa que ele teve com a reportagem no começo da tarde de terça-feira. Entusiasmado, desandou a falar sobre uma situação que considera absurda: não ver nenhuma banda daqui em destaque nacional, diante da fértil produção que observa. E cobra dos governantes mais apoio para que os bons trabalhos daqui sejam mais conhecidos.
No show que faz no Curitiba Master Hall, o repertório é calcado no disco 7 Vezes, lançado com um intervalo de 5 anos de O Silêncio Q Precede o Esporro. Em sua carreira, a banda carioca acumulou muitas indicações e levou premiações importantes, mas não com este novo trabalho, que recebeu apenas uma indicação no VMB. Esse rarear de premiações não incomoda o grupo, cuja trajetória tem um “lado social” muito forte. Para Xandão, que considera importante esse tipo de reconhecimento, a ausência do Rappa em listas mais recentes pode, inclusive, ser entendida como um sinal bom, já que é salutar que novas gerações ocupem os espaços.
A conversa começou com ele lembrando da gravação na Rocinha, domingo passado. Inicialmente prevista para ser um DVD, acabou sendo o pagamento de uma dívida que a banda tinha com a comunidade, que há tempos pedia um show em seu território. “Acabamos transferindo a gravação do DVD, pois a comunidade pediu um show e tivemos que refazer cálculos. Mas gravamos tudo e se ficar bacana vamos lançar o Dvd. Desde já, digo que foi maravilhoso, fomos muito bem recebidos. Somos uma banda carioca, apesar de eu não ser, e a Rocinha parou pra ver a gente porque se identificam muito com O Rappa. De certa forma, a beleza do Rio está muito ligada à proximidade da favela. Porém, a Rocinha é mais que isso, é uma comunidade onde se encontra todo tipo de gente: o bacana, o trabalhador, enfim bem representativa da mescla carioca. E o nosso contexto fala de se misturar, de ter comuinidades mais plurais e não ficar num nicho”, destaca. Diz que a apresentação foi super importante e muito além do que imaginavam ele, Falcão, Marcelo Lobato e Lauro. “Fazer um evento deste porte e reunindo metade da comunidade que mora no lugar…. não é pouca coisa. Em saindo um DVD estou certo de que será um dos melhores momentos nossos, muito em função dessa participação da comunidade”, assegura.
Um ano de 7 vezes
“O Rappa já é um banda estabelecida. Nesse período de lançamento de turnê conseguimos ir para Estados Unidos da América e Europa, para onde não íamos há 6 anos. Percebo e vejo cada vez mais nosso trabalho como plural. Pode tanto tocar no Rio, em Curitiba, nordeste ou em Lisboa, Londres, Paris, Barcelona. Todos esses shows foram maravilhosos, o que faz pensar que essa barreira da linguagem para a música do Rappa não existe. Podemos ir a qualquer lugar pra falar a verdade e as pessoas entendem do que estamos falando. Tem sido tudo muito bacana, mas só o tempo dirá algo mais definitivo sobre esse disco e, também, em relação a este Dvd que a gente fez agora. Nem tem como medirmos força agora. Depois, a gente senta e analisa, vê o espaço e o que conquistou”.
Premiações ou a falta delas
São importantíssimas. Já fomos indicados milhões de vezes e é o momento em que temos a chance de encontrar os companheiros; são sempre muito bacanas. Seguimos trabalhando. O fato de não termos sido indicados esse ano tem a ver com sermos uma banda que já tem seu processo estabelecido. Não vejo como problema, acho importante que os novos cheguem. O Rappa teve seu momento de ganhar prêmios. Se existir unanimidade, é burra. Também deve ser levado em conta que são premiações muito democráticas, votadas. E nós nunca tivemos um apelo muito pop, nossa marca sempre foi mais de um trabalho comunitário. Nunca fizemos muita questão de estar na mídia de qualquer jeito; só participamos de programas de televisão que possamos tocar ao vivo, por exemplo, nada de playback. Então ficamos fora de muito do que tem apelo publicitário. Mas, não há uma preocupação com isso. Preocupante seria que não aparecessem novos, porque tem muitas novas bandas chegando.
Cena paranaense
Aliás, acho inadmissível não ter uma banda paranaense no cenário nacional. E uma crítica que faço hoje morando em Curitiba é aos governos. Prefeitura e Governo do Estado vamos tentar fazer um grande festival, porque não? Tem tantos grandes músicos morando em Curitiba e podemos tentar mudar essa história. Estou aqui há tanto tempo e não via essa movimentação toda e já era um lugar bacana. Acho, sinceramente, que falta empenho do Governo do Estado e da Prefeitura para, por exemplo, captar o empresário; falta envolvimento de quem pode virar isso. Isso vai trazer mais dividendos para comerciantes, impostos para a cidade como um todo. E se não houver envolvimento dos õrgãos públicos, ficar só esperando empresários, não vai rolar. Empresário para se interessar tem que ter facilidades. Não é isso que o governo federal faz? Então o Governo do Paraná tem que fazer parcerias também. O que me deixa irritado é que vejo muita gente relevante se mudando para cá e essas pessoas não são contatadas para participar de debates, para dividir suas experiênicas e mudar isso.
Cidade Cultural
Se diz que o Curitiba é uma cidade Cultural, mas então o é para quem faz parte da elite, pra uma tipo de coisa. Lembro muito no Rio, tivemos o projeto Aquarius por 10 anos, com orquestra sinfônica tocando todo dia em parques. Não teve um dia que não fosse lotado. O povo vai. Essa conversa de que o povo não quer música boa, é um discurso vazio. Tem que fazer pra todo mundo. E isso não é uma crítica ao prefeito de Curitiba, porque se ele tem uma aceitação tão alta é porque faz um trabalho bom. Mas, tem que olhar mais pra esse lado cultural da cidade que, eu diria, tá um pouco afastada da comunidade. Não adianta só ter show em casa noturna. Tem que fazer show na periferia. Falo isso, porque gostaria muito que acontecessem mais projetos sociais, pela experiência que nós temos nisso. Mas, tem que ter alguém que encabece isso. E aqui tem várias bandas, muitos artistas interessados e não utilizados. Porque não usar André Abujamra, que é um cara extremamente relevante, inteligente e experiente. O Hermeto Paschoal, uma pessoa ímpar. Eles podem contribuir muito. E falta também o reconhecimento dos órgãos públicos aos jovens, para poder fomentar isso tudo. Não tenho muito tempo para estar nesses lugares, infelizmente, mas quando der, se for convidado, participarei. Até pensei num evento nas faculdades do Paraná, com bandas convidadas e palestras. Ou um concurso com bandas locais e convidadas, sei lá, tem tanta gente interessada em fazer, mas Governo do Estado e prefeitura têm que estar juntos.
Novos trabalhos
Pouca gente sabe mas também sou produtor e produzi duas bandas daqui. O Real Coletivo Dub que é maravilhosa e a Diogenes. Isso é outra forma de estar fomentando. Não estou fazendo isso pra fazer média. Vejo uma qualidade muito grande em vários grupos daqui e tenho obrigação de estar fomentando isso. Tenho que ajudar a chegar a um denominador comum. Se fosse um lugar que não tivesse nada de bom, vá lá que não aparecesse nacionalmente. Mas, não é o caso de Curitiba. Também participei do DVD da Relespública, uma monstruosa de uma banda pela qual tenho um admiração profunda. Fiquei muito envaidecido por ter sido convidado. E eu boto a cara a tapa mesmo, participo do que acho bom!