De Inverno Comunicação


Estamos quase em meados de outubro e 2009 já se encaminha para seu final, então hoje vou falar de um disco que descobri há uma duas, três semanas atrás, e que desde então não sai do meu player (real e mental).
To falando de Radiare, disco lançado este ano da banda homônima formada por Fabrício Frebs, ex-integrante da Astromato e outros músicos vindos de outras bandas de Campinas, SP. Astromato, pra quem não sabe, é uma das melhores bandas brasileiras dos anos 90, que lançou o excelente “Memórias de uma estrela falsa” (Midssummer Madness/1999) – verdadeiro clássico do indie brazuca (que pode ser baixado aqui). Pois bem, o Radiare mantém as qualidades do Astromato, com melodias perfeitas e ótimas letras, além do instrumental caprichado e das lindas harmonias vocais, mas com uma pegada atual.
Ao descobrir esse disco me lembrei de quando conheci o primeiro EP do Gianoukas Papoulas. Porque assim como o GP, o do Radiare foi um daqueles discos que na primeira audição achei legal, mas não dei muita bola. Mas aí você ouve de novo e pensa, poxa essa música é foda. E daí ouve mais uma vez descobre outra música, e daqui há pouco não consegue mais parar de ouvir.

Como já comentei por aqui, nesses tempos de overdose de informação e de milhões de bandas/discos, tem sido cada vez mais raro pra mim esse tipo de sensação de descobrir um disco que você se encanta tanto e se identifica de tal forma que aquilo passa a fazer parte da trilha sonora da tua vida. E talvez até por ser raro, hoje valorizo muito isso, talvez até mais que antes.

Porque as vezes a gente tem aquela sensação de “fim da história”. De que toda música já foi feita. e que o que resta hoje é só pose, egocentrismo, gente de alma pequena que ao invés de viver sua vida vive de alimentar polemiquinhas vazias, picuinhas ridículas, disparando frases feitas e sociologia de botequim como se fossem os donos da verdade. cachorros cheirando o próprio rabo como animais midiáticos. Afinal, o importante agora não é ser, mas parecer, não é mesmo?

Mas aí chega alguém com uma coleção de canções que te balança e te atordoa. Com o Radiare, minha vontade de ouvir música voltou nas últimas semanas. TENHO que ouvir pelo menos uma vez ao dia pra conferir se aquela sensação é de verdade e ainda tá lá. Como se precisasse daquilo pra me reconfortar diante de tantos dias sem sentido.

Fazendo um leitura absolutamente pessoal e intransferível, diria que o disco tem como tema o amadurecimento, envelhecer, se redescobrir e se reinventar. Me parece que várias músicas falam ou insinuam uma situação de fim de um relacionamento longo daqueles que te marca pra toda a vida. E de como fazer desse momento limite uma oportunidade pra recomeçar. Pra quem como eu já tá na casa dos 4.0, e começa a perceber a curva da decadência, não teria como não ter empatia.
O negócio começa foda já na faixa inicial, “O meio é o fim”, com os vocais e guitarras de introdução à lá Ride/Teenage Fun Club. Na letra, o narrador/sujeito da história já entrega de cara que:

“ser bem surreal
não é me enganar
pois sei onde não quero mais chegar”

Só a introdução da levada de baixo e batera da segunda faixa “Quem canta o seu refrão”, já valeria o disco. Mas Frebs não deixa por menos e enquanto a cozinha segura a onda canta:

“viver nem é tão mal
discrer é que é o tal
se maldizer
aliviar
então tá…”

pra em seguida explodir junto com as guitarras no refrão:

“olho no olho e sangue quente
saia do seu alcance e mergulhe um pouco mais
sem ar, capaz
bem vindos aqui
não finjam que não
tentando ser sensatos
se o destino é jogo de dados
qualé a regra então?”

ufa. Não à toa, na mix eles mantiveram na linha de voz o som de alguém tomando fôlego. Porque é de tirar o fôlego mesmo.

Na faixa seguinte, “Relógios”, o narrador brinca/reclama da garota que apesar de não ligar pras horas tá sempre na hora certa, enquanto ele, sempre preocupado, sempre fica pra trás.

“Você nunca quis relógios
faz o que quer quando quer
nunca adivinhar as horas
mas você sempre vai chegar lá
você sempre vai chegar lá
antes de mim”

(…)

“eu marco hora pra fazer minhas coisas
você faz tudo pra não ter que marcar hora”

A quarta música, “Pra quando der mais” é outra pérola que poderia perfeitamente estar tocando no rádio, se a maioria das rádios tivesse interesse em algo mais que não a mesmice de sempre, e seus programadores não tivessem perdido qualquer capacidade de descobrir coisas novas. Outra levada que vai em um crescendo e embala mais uma letra dessas pra ficar na cabeça da gente e não sair mais.

“Sabe
tem outra história
outros mistérios
que eu espero não ter que explicar
são outras vidas
longe do meu viver
maldisfarçadas dos meus passos

ah, que enganação
maldade não
que me segura aqui nessa ilusão
então espera um pouco mais
e a vida se vai

tantos anos que fazem não arriscar
mas sempre foi assim
guarda-me, dá pra me querer gastar lá atrás
pra quando não der mais

tenho vontades súbitas
qualquer coisa pra balançar essa rotina
densa neblina
sonho acordado
congelo o por do sol
no fundo é só um dizimar de tempo”

é aquela coisa. A gente passa tanto tempo apegado a coisas e sonhos que que muitas vezes já perderam o sentido, mas insiste nelas apenas por conveniência, medo, e perde a capacidade de entender que as vezes é preciso mudar sim, virar a página e deixar pra trás coisas que ao invés de te ajudarem, só estão te matando aos poucos.

Na música seguinte, o narrador, que claramente, após o fim de um longo relacionamento repentinamente se vê sozinho de novo e se depara com alguém (ele mesmo), que não reconhece mais.

“Fazia tempo que eu me apaixonava
Há muito tempo eu não ficava só
Fazia tempo que eu não via gente
Que eu não ia ao cinema, sozinho
E entrava em três sessões seguidas
Um vinho vagabundo eu bebia
Com amigos que há tempos eu não via

Eu nem lembrava que eu tinha um espelho
E hoje procuro um adulto são
Há muito tempo eu não ficava à toa
Descalço, sozinho em casa numa boa
Criando um prato estranho que só eu ia comer
Sem um futuro pra vencer
Só esperando minha unha crescer
Pra eu cortar

Não lembrei de mim
Só hoje eu conheci um cara bem mais velho
Careta e cabeça-dura
Mas que só quer gostar de viver
Muito prazer
Eu sou você
E após tanto tempo tentando agradar
Agora só eu sou o meu par”

Genial.

Mas pra mim a grande canção do disco é a seguinte, “Minha voz”. Ela tem uma melodia simples, limpa e fluida, que dá uma sensação de conforto e aconchego indescritível. Na letra ele fala sobre a dificuldade de expressar sentimentos e diz que talvez a canção seja a melhor forma de fazê-lo

“segure a minha mão
eu tenho alguns dons pra te mostrar
só não sou muito bom em fazer
esses momentos brilhar”

(…)

“prometo dizer muito mais
só espero pela próxima canção
essa é a voz desse coração

e mesmo se eu não disser
mesmo se eu não fizer
eu vou estar…aqui”

Simplismente maravilhoso.

E depois da também bela “Som do mar”, o disco termina com a épica “Rádio espírito”, que deu origem ao nome da banda. Aqui o tema do amadurecimento fica bem claro nos versos

“Quero ser mais nada
demasia é frustração
me despertando de sonhos
a idade toca toda manhã

horizonte claro
posso antever o fim
que massada é essa
o silêncio em que consentes
mente pra mim

já perdi a vontade de não saber porque brigar
e a esportiva de cair, sorrir e levantar
uma razão pra eu ficar só é mendigar um tempo a mais
e assim vou doendo”

ele sabe que está envelhecendo, que o tempo passa cada vez mais rápido; mas não sabe se terá forças pra começar de novo, continuar, ou pra mudar, ou pra voltar atrás.

“Tantos ofícios me encantavam
rigor em dispersão
se escolhas eram por capricho
agora não me tocam outra opção
e hoje eu sinto dor nas costas
me restou uma paixão”

enfim, um disco que pra mim tá entre os cinco mais nacionais de 2009. e que eu sinto, vai me acompanhar por um bom tempo. Porque fala coisas que eu mesmo gostaria de ter escrito, que me sinto absolutamente identificado. E que me dá vontade de novo de ouvir e de fazer música. Como aqueles discos que mais me apaixonaram na vida. Um daqueles discos de cabeceira, para embalar aqueles dias tortos em que tudo o que você precisa é uma boa canção.
Que bom Radiare, seja bem vinda. E vida longa a essas e outras canções que vocês possam nos brindar. Porque vale a pena sim, apesar de tudo. Porque ainda temos um coração, e enquanto ele bater, algo haverá de viver.

ouça: http://www.myspace.com/radiare
baixe: Radiare na Trama

P.S. : com exceção de “Não lembrei de mim”, que achei a letra na internet, as outras tirei tudo de ouvido, portanto, podem e devem conter muitos erros de transcrição, todos minha culpa, whatever.

Respostas de 2

  1. ou também quero um lugar onde eu possa atrasar… e o que eu acho desse mesmo disco, amanhã, na Piracema. e nas cenas dos próximos capítulos, quando eu voltar de férias entrevista com um dos
    rapazes que fazem isso com a gente.

  2. orra fazia tempo que eu nao via um texto assim sobre um disco. massa! o astromato era uma banda foda, tocamos umas duas vezes com eles – com formaçoes diferentes até – eu tenho uma fita cassete deles – ou tinha , sei lá.. preciso procurar. vou dar uma ouvida no radiare, que pelo jeito é coisa fina. abs.

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