De Inverno Comunicação

OAEOZ_2001_foto Simon Shepheard

Eram outros tempos.

E agora, que todos os dias nos perguntamos se vai ser possível outra vez…

“As sonorizações cotidianas, os painéis da cidade, pensamentos contraditórios entre criar e viver, os limites entre arte e mercado, entre espontaneidade criativa e produto sem charme nenhum: tudo isso está em Dias, que deve permanecer por meses e anos. Contra o cinismo, só a permanência”. Marcos Zibordi – Gazeta do Povo – 4 de maio de 2001

Há 20 anos, em duas noites frias, nos dias 4 e 5 de maio de 2001, a banda OAEOZ lançava “Dias”, seu terceiro trabalho, com shows no Auditório Antônio Carlos Kraide, no Centro Cultural Portão. O disco tem suas histórias. Foi gravado pela formação clássica d’OAEOZ: Ivan Santos (guitarra e voz), Igor Amatuzzi (Voz, violão, teclado, trumpete), Rodrigo “Zóio” Montanari Bento (baixo) e Hamilton de Lócco, o Camarão (bateria).

Primeiro “disco cheio” da banda, tem Igor à frente nos vocais na maior parte do repertório, também composto por ele em sua maioria. Por outro lado, é o disco em que Ivan começa a aparecer mais nos vocais e a dividir composições – ainda de forma tímida. Na faixa título, ele divide os vocais com Igor, o compositor. “Talvez” é a primeira composição do Ivan gravada pelo OAEOZ. Canção forte, com um vocal bem diferente do jeito de cantar do Igor, delimitando bem as diferenças de interpretação e de personalidades, a canção sobrevive 20 anos depois demarcando claramente os novos tons que começavam a ampliar a sonoridade da banda – e (com)prova-se como um dos momentos inspirados d’OAEOZ, captando bem as nuances e tensões que sustentavam a sonoridade da formação nesta fase ainda inicial. O grupo tinha 4 anos.

“Dias” conta também com convidados importantes nessa caminhada. Marília Giller empresta seu piano para a belíssima balada “Disco Riscado”, composição de Ivan e Camarão; e Paulinho Branco faz a diferença em “Waking Up” e “Mar Ilha”.

“Lembro que emprestei uma guitarra telecaster, original americana circa 68 do Diego Singh, e um violão de doze cordas do Claudião Pimentel (Plêiade/ Os Misantropos). Lembro muito bem também quando o Paulinho foi gravar sua participação. Obviamente que ele não tinha ensaiado e nem conhecia a música. Pois foi só colocar pro cara ouvir duas vezes que ele já saiu tocando e fez o take”, lembra Ivan.

Parte de “Dias” foi gravado por Lucio Lowen Machado, que transportou uma estrutura básica para o sótão da então residência de Ivan, um antigo casarão de madeira datado de 1929, muito bem conservado, em um clima bucólico demarcado por uma porteira no lugar de portões e um amplo jardim de grama, ladeado por jabuticabeiras. Ali, naquele clima de camaradagem foi gerado, ensaiado e gravado “Dias”.

O sucessor de OAEOZ e De Inverno, eps que registram os primeiros passos da banda em estúdios caseiros, lançados em fitas cassetes, é “uma espécie de coletânea. Tem cinco músicas – Recado, Dias, Talvez, Waking Up, e Disco Riscado – gravadas no sótão transformado em “estúdio”. “E foi muito legal, porque era onde a gente ensaiava, um lugar que tinha um clima “campestre”, todo de madeira, com uma acústica incrível”, conforme explica Ivan em texto sobre os dez anos do álbum.

 

Nos vocais, únicos em suas diferenças complementares, a intensidade noise combinada à verve literária dos dois autores e ambientada em viagens psicodélicas de canções absolutamente pessoais. Flanando por referências e influências da vastidão sonora do rock, o contemporâneo especialmente. O registro é de uma banda de rock em sua fase menos rock, criando canções com momentos de quase jazz. “A gente brincava que queria tocar jazz, mas como não sabíamos tocar, fizemos rock”, diz, Ivan.

O contraste entre os estilos de cantar dos dois ficaria, a partir dali, cada vez menos evidente nas músicas, com Ivan assumindo gradativamente os vocais principais, até a saída de Igor da banda, quando passou a ser o vocalista e compositor. O disco capta também o que depois aparecia menos ainda nas criações da banda, que é esse clima de gig, com suas viagens “revmercuryanas” que vão num crescendo climático que envolve o ouvinte em camadas de sons. Não se viu muito isso depois, nos outros discos da banda, quando as músicas ganharam contornos mais definidos de uma banda de rock.

O disco conta ainda com três músicas – “Monumentos Sem Cabeça”, “Me Apaixonei por uma Burguesa” e “Tudo o Que eu Queria” – gravadas ao vivo no estúdio Gramophone para o programa Ciclojam do projeto Todos os Caminhos do Rock, criado por Cyro Ridal, na época ainda só no rádio Educativa. A instrumental “Neblina”, gravada só pelo Igor e, a última faixa, “Texas Dream”, uma música incidental instrumental gravada durante uma jam e que se tornou trilha sonora do filme “Nossa vida não cabe em um Opala”, pelas mãos de Mário Bortolotto, completam o disco. “Lembro que gravei isso em um tape deck gradiente com um par de microfones ambientes emprestados por um amigo. Foram dois microfones pequenos que mais pareciam duas mini caixas de som que o pai dele usava pra gravar passarinhos cantando”, conta Ivan.

Nunca tive dúvidas de que ouviria isso, 20 anos depois, e que ele continuaria sendo muito bom. Instantâneos da banda, como o Ivan gosta de dizer. Registros daquele momento. Com suas belezas e imperfeições, registros de um tempo, de uma época, de uma turma de amigos.

Em “Dias” estão canções clássicas, compostas e cantadas por Igor, um exímio criador de cenas cinematográficas em forma de canções. Faixas como “Recado”, “Me apaixonei por uma burguesa” e “Tudo que eu Queria agora” – não me deixam mentir. Conversas cantadas de uma forma tão pessoal, de um jeito tão cotidiano, quase sem nada de especial, para os ouvidos apressados e acostumados a sons polidos e cheios de truques. Não existe nada que substitua um compositor interpretando sua obra, cante ele a plenos pulmões ou para si mesmo, quase que querendo se esconder, como parecia fazer o Igor. Instantâneos dos nossos dias passados, que com a marca do tempo se tornam outra vez tão atuais.

Importante lembrar ainda que OAEOZ é um encontro de três gerações, cada qual com suas referências. O ‘menino’ Igor e Ivan, que convidaram Camarão, que já tinha história na música curitibana e que foram completados pelo Rodrigo “Zoio”, ex-Gummers, outro rapaz da turma do Igor. OAEOZ, a banda, acabou depois de 10 anos de existência, oito trabalhos lançados. Mas, as canções sobrevivem ao passar do tempo. Ouvir “Dias” 20 anos depois reforça a sensação, captada na época pelo jornalista Marcos Zibordi, em matéria de capa no Caderno G, da Gazeta do Povo: “a música do oaeoz é uma espécie de antídoto pro cinismo que virou moda nos nossos dias”. Continua sendo, em tempos ainda mais cínicos.